A roupa envolve-nos |
A roupa envolve-nos a paragem do mar cresce contigo a língua e o sentido tudo anda tão ocupado tão cansado e destruído que a roupa em torno morre como um foco de ruído O movimento cerca esta mudez o mar desidratado é o abismo onde revives Viste os vales instáveis do mar mas para que é perguntar senão que se fez de ti O fogo sob as vozes que não ouves A língua vive ainda? Inscrevo na memória tumefacta mais uma imagem Esses corpos nascem O que posso dizer para cobri-los? Ouves? Está comigo a mortalidade da tua vida Como falar contigo? Mas o som produzido era tanto que as cordas se formavam com a sua saída retomavam a forma destruída enquanto tudo o que te dizia dividia um som tempestuoso Na ocasião da queda desses algum olha as áreas correspondentes no mar volta transforma-se é um sinal de contradição e sob a chuva contínua de relâmpagos revive Porém o som inibe-te prossegues sem segurança o canto a turva cítara vence-te não o canto repetido Essas cordas do peito já distensas submetem-se ao silêncio poderias escolhê-las porém sempre repetes os nomes desses corpos a mudez intimida-te assim a poesia nasce com o rumor dos próprios corpos com o bater dos nomes entre os ombros tão dóceis mar de músculos mudos o coração do corpo repetindo os nomes turvos Como é possível termos esquecido a linguagem? Comparámos os corpos Se os descrevo agora que deixámos de falar esqueço a igualdade e nela cessa a possibilidade de falar É um erro a cidade alguma vez a cantaste? Mas já não é possível a verdade é que definitivamente nela morres Por isso escolherás o teu estilo de novo por palavras errarás Na praia exterminada não pudemos cantar a liberdade sobre o teu corpo correm turvas asas de entre as pedras levantas a cabeça enquanto cais Depois a roupa gera e espalha a escuridão cada corpo isolado se transforma sob as asas que o cobrem Desencontramo-nos a terra recomeça a deter-te preciso de dizer esse teu nome Mas não ouças a minha fala transformada Gastão Cruz poesia 1961-1981 com três desenhos de Manuel Baptista o oiro do dia |
Poeta e crítico literário, Gastão Cruz nasceu em Faro no ano de 1941. Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Lisboa, foi professor do ensino secundário e leitor de português no King’s College, em Londres.
Como poeta, começou por se destacar com a sua participação na revista Poesia 61, no início da década de 60, sendo autor de uma obra vasta e em contínuo crescimento.
Colaborou com vários jornais e revistas como crítico literário, tendo traduzido autores como William Blake, Strindberg e Shakespeare. Foi ainda um dos fundadores do grupo Teatro Hoje, onde encenou várias peças.
A obra de Gastão Cruz foi distinguida com inúmeros prémios, entre os quais se contam o Prémio PEN Clube de Poesia, em 1985, e o Pémio D. Dinis, atribuído pela Fundação Casa de Mateus. Em 2002, o seu livro de poesia Rua de Portugal foi distinguido com o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, e em 2005, com Repercussão, ganhou o Grande Prémio de Literatura dst.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. ...
. ...
. A poesia de Fernando Pess...
. TENTEMOS UM RECOMEÇO, PEL...
. É BOM OUVIRMOS OS "MAIS V...
. MUDANÇAS