Sexta-feira, 22 de Maio de 2009

CESTAS DE POESIA

 

Fernando Pessoa, desenho de Júlio Pomar


O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas.

Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço, Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo, Cansaço...

Álvaro de Campos


publicado por felismundo às 08:45
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Sexta-feira, 30 de Janeiro de 2009

CESTAS DE POESIA

Poesias de
Álvaro de Campos


 

     

      Adiamento

    Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
    Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
    E assim será possível; mas hoje não...
    Não, hoje nada; hoje não posso.
    A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
    O sono da minha vida real, intercalado,
    O cansaço antecipado e infinito,
    Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
    Esta espécie de alma...
    Só depois de amanhã...
    Hoje quero preparar-me,
    Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
    Ele é que é decisivo.
    Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
    Amanhã é o dia dos planos.
    Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
    Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
    Tenho vontade de chorar,
    Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

    Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
    Só depois de amanhã...
    Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
    Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
    Depois de amanhã serei outro,
    A minha vida triunfar-se-á,
    Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
    Serão convocadas por um edital...
    Mas por um edital de amanhã...
    Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
    Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
    Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
    Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
    Antes, não...
    Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
    Só depois de amanhã...
    Tenho sono como o frio de um cão vadio.
    Tenho muito sono.
    Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
    Sim, talvez só depois de amanhã...

    O porvir...
    Sim, o porvir...

     

      Álvaro de Campos

publicado por felismundo às 11:33
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