Tenho seguido um critério que inclúi para além dos nomes maiores da Poesia Lusófona, a poesia dos Poetas Populares, tantas vezes incompreendidos e de outros, que apesar de menos conhecidos, não deixam de ter um lugar de destaque nas letras da lusofonia.
Aqui se insere o poema que hoje aqui deixo e que nos remete para o,ALENTEJANANDO. e para o seu Mentor.
Fumo vagarosamente a noite
Quatro e trinta da madrugada.
Fumo vagarosamente a noite.
Aclara-me a mente,
uma luz crua e expurgada.
Com o benigno e o maligno da vida desenhado límpido na sombra.
Como se o recorte da silhueta fosse o repositório de todo o meu passado.
E, só agora reparo,
como o sombreado
é um criterioso arquivo do caminho andado,
num galope desenfreado.
Isidoro de Machede
Saudade, palavra que nós, portugueses aplicamos com alguma propriedade.
Quero aqui render homenagem a um Blog, o Alentejanando, que fechou, para obras, espero eu e que em 23 de Janeiro de 2005 publicou este poema de António de Macedo Papança 1º Conde de Monsaraz (1852-1913).
Com a devida vénia, ao Alentejanando e ao seu mentor.
Se és algo panteísta e tens bem vivo
Esse afago ideal
Do retrocesso ao homem primitivo,
Que nos tempos pré-histórico vivia
Muito perto do lobo e do chacal;
Se um ligeiro perfume de poesia
Que se ergue das campinas
Na paz, no encanto das manhãs tranquilas,
Te dilata as narinas
E enche de gozo as húmidas, -
Leitor amigo, se assim és, vou dar-te
“Se a tanto me ajudar engenho e arte”
uma antiga receita,
que os rústicos instintos te deleita
e frémitos te põe na grenha hirsuta.
Leitor amigo, escuta:
Vai, como o padre cura, cabisbaixo
Pelos vergeis da tua horta abaixo
Quando no mês d’ Abril, de manhã cedo,
O sol cai sobre as franças do arvoredo,
Para sorver aqueles bons orvalhos
Chorados pelos olhos das estrelas
Nos corações dos galhos;
Passarás pelas couves repolhudas, -
Cuidado, não te iludas,
Nem te importes com elas, -
Vai andando...
Mas logo que tu passes
Ao campo das alfaces,
Pára, leitor amigo,
E faze o que te digo:
Escolhe d’ entre todas a mais bela,
Folhas finas, tenrinhas e viçosas
Como as folhas das rosas,
E enchendo uma gamela
D’ água pura e corrente,
Lava-a, refresca-a cuidadosamente.
Logo em seguida (e é o principal)
Que a tua mão, sem hesitar, lhe deite
Um fiozinho de azeite,
Vinagre forte e sal,
E ouvindo em roda o lúbrico sussurro
Da vida ansiosa a propagar-se, que erra
Em vibrações no ar,
Atira-te de bruços sobre a terra
E come-a devagar,
Filosoficamente, como um burro!
Conde de Monsaraz – Musa Alentejana
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.