Domingo, 10 de Fevereiro de 2008
Volto este sábado, depois de alguns dias de ausência, para vos deixar uma reflexão sobre o meu Alentejo, de autor desconhecido e que me chegou, por um amigo.
Faço votos para que soltem as gargalhadas que eu soltei ao ler o texto que se segue.
Quero-os, a todos, bem dispostos!
O ALENTEJO
Palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade.
O rio que divide e une Portugal e que à semelhança do Homem Português, fugiu
de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planície
dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; as
amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência
física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é
alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se nasce
alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte mas foi no Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o
berço da Nacionalidade, Évora é o berço do Império Português. Não foi por
acaso que D. João II se teve de refugiar em Évora para descobrir a Índia. No
meio das montanhas e das serras um homem tem as vistas curtas; só no coração
do Alentejo, um homem consegue ver ao longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino depois de dobrar o Cabo
das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia para D. João II perceber que só
o costado de um alentejano conseguia suportar com o peso de um
empreendimento daquele vulto. Aquilo que para o homem comum fica muito
longe, para um alentejano fica já ali. Para um alentejano não há longe, nem
distância porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida não é
uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a tartaruga
leva sempre a melhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada
decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando regressou,
ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama respondeu: «Não, é já
ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio onde
não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a continuar a
andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de Portugal é
precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da Gama. Demasiada
gente que não consegue terminar o que começa, que desiste quando a glória
está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos portugueses e
poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso contrário, não
teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma
batalha não se decide pela quantidade mas pela qualidade dos combatentes. É
certo que o Rei de Castela contava com um poderoso exército composto por
espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis tinha a vantagem de contar com
meia-dúzia de alentejanos. Não se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos
seus irmãos, quando o tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da
desproporção numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os
alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para as
grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar plenamente dos
mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a mulher para
ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os alentejanos para
que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na mesa, um
alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este,
intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha:
«Tem tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado
nenhum. E muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema
que os alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o
Alentejo foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para
descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana e
intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros dos
portugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos contam e
inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao mesmo tempo
que servem de espelho a quem as ouve.
Mas para que uma pessoa se ria de si própria não basta ser ridícula porque
ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só que isso é um
extra só disponível nos seres humanos topo de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido de
humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente bronca e
mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças alheias, quem tem
sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior honra do que ser objecto
de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as pessoas, enquanto a
alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si próprios, nunca
teriam sido as bestas que foram.
E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas,
incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de
observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota preferida. Num dia em que chovia muito,
o revisor do comboio entrou numa carruagem onde só havia um passageiro. Por
sinal, um alentejano que estava todo molhado, em virtude de estar sentado
num lugar junto a uma janela aberta. «Ó amigo, por que é que não fecha a
janela?», perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está estragada.», respondeu o alentejano.
«Então por que é que não troca de lugar?» «Eu trocar, trocava... mas com
quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. O
Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é castigo
uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer alentejano
anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão alentejano? O pão
alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição e sobremesa. E
é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão bom no
primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o pão
alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos
subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite quente de
verão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de Inverno, dou graças a
Deus por ser alentejano. Que maior bênção poderia um homem almejar?
De
emiele a 10 de Fevereiro de 2008 às 12:34
Um post grande, mas interessante e engraçado.
Está muito visto esse aspecto de mesmo no Alentejo se contarem anedotas de alentejanos. Aliás uma vez ouvi ou na tv ou na rádio, um desses programas onde os ouvintes podem intervir, e uma senhora ouvinte, a respeito das piadinhas sobre determinados grupos, desabafou que nem se ralava com isso porque era Mulher, era Loira, e era Alentejana! a gargalhada que todo o estúdio deu foi monumental!
Mas para além dessas características, a senhora tinha sobretudo um magnífico espírito de humor!!!
De
emiele a 10 de Fevereiro de 2008 às 12:38
Ups! Enganei-me e saltei uma palavra. Queria dizer, evidentemente - está muito bem visto, e não apenas está muito visto.
É sempre um gosto a tua visita, Emiéle.
Se bem que, com algum marialvismo à mistura o facto é que até nesses aspecto toca alguma verdade.
Foi um amigo que mo enviou e perante tal testemunho, era impossível não o dar à estampa.
Thanks for sharing from Tata Carnatica
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