Eu desconfiava: todas as histórias em quadradinho são iguais. Todos os filmes norte-americanos são iguais. Todos os filmes de todos os países são iguais. Todos os best-sellers são iguais. Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais. Todos os partidos políticos são iguais. Todas as mulheres que andam na moda são iguais. Todas as experiências de sexo são iguais. Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais e todos, todos os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais. Todas as fomes são iguais. Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos. A morte é igualíssima. Todas as criações da natureza são iguais. Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar.
A ano e meio das eleições, amontoam-se os tabús, as declarações, as estatisticas, as acusações, enfim, desencadeia-se a luta pelo poder. Como gosto de reler os livros que sempre me acompanham, dei de caras com uma passagem do volume XII, do DIÁRIO, de Miguel Torga, que não resisto publicar.
Coimbra, 27 de Abril de 1977 - A sedução do poder! O deleite com que saboreiam muitos dos que ainda há pouco juravam abominá-lo! Sei que poucos escapam ao seu fascínio, e de que disfarces é capaz. No próprio acto criador se açoita. Mas referia-me ao poder concretamente exercido, a nível do mando. O comportamento destes estadistas de pronto a vestir! O que eles dizem e o que eles fazem1 *arecem metidos numa outra pele. Novos penteados, novas gravatas, novos gestos, nova gravidade. São agora mais pernéficos, mais solenes. Adquirem, sobretudo, uma versatilidade mental e moral inesperada. Como os oráculos, tudo o que lhes sai da boca tem dois sentidos. Falam sempre a cobrir a retirada. Às vezes apetece pôr-lhe um espelho diante dos olhos. Mas, talvez fosse inútil. Cegos de felicidade, como poderiam compreender que são uns pobres bonifrates, ao mesmo tempo de boa fé e de má consciência?
São 21 anos, parece que foi ontem, porque a sua presença é constante e permanente. Nesta corrente, remeto para o, também poeta, ANTÓNIO RAMOS ROSA as palavras.
PARA JOSÉ AFONSO
O canto que se erguia na tua voz de vento era de sangue e oiro e um astro insubmisso que era menino e homem fulgurava nas águas entre fogos silvestres. Cantavas para todos os acordes da terra, os obscuros gritos e os delírios e as fúrias de uma revolta justa contra eternos vampiros. Que imensa a aventura da luz por entre as sombras! A vida convertia-se num rio incandescente e num prodígio branco o canto sobre os barcos! E o desejo tão fundo centrava-se num ponto em que atingia o uno e a claridade intacta. O canto era carícia para uma ferida extrema que era de todos nós na angustia insustentável. Mas ressurgia dela a mais fina energia ressuscitando o se r em plenitude de água e de um fogo amoroso. É já manhã cantor e o teu canto não cessa onde há a morte e o coração começa.
Por todas as razões, tinha jurado a mim mesmo nada dizer sobre este dia.
No entanto, uma passagem por uns amigos, fez-me mudar de ideias e, dar-vos a conhecer o que me levou a fazê-lo.
Venham ver, por favor, vale a pena. É AQUI
Quando em 1 de Novembro de 1592, foi lançada a primeira pedra da Igreja do Colégio dos Jesuítas de Ponta Delgada, foi dado lugar a um monumento impar do barroco, com exuberantes elementos decorativos na sua fachada de pedra vulcânica, nos, soberbos, painéis de azulejos setecentistas e na espectacular talha do retábulo do altar-mor, ao ponto de ser dito por Robert Smith, que se tratava do maior monumento de madeira, existente em Portugal. Sabia, eu, isto pelos livros e outros documentos mas, nunca tinha tido o privilégio de a visitar. Tinha o testemunho do meu sogro que, ao tempo, me dizia tratar-se de uma obra ímpar. É um facto que, com a expulsão dos Jesuítas, em 1760, por ordem do Marquês de Pombal, esta igreja salão, de nave única e que possuía um vasto e valioso espólio artístico, ficou destituída de grande parte dos seus bens e alfaias religiosas, uns desaparecidos e outros integrados noutros templos da Ilha, isto a partir de 1800, ano em que o culto foi interrompido. Em 1834, a igreja, foi adquirida ao Estado, por Nicolau Maria Raposo de Amaral, proprietário do Colégio dos Jesuítas, por herança paterna. Passados 139 anos, seus descendentes e herdeiros doaram a Igreja do Colégio de Todos os Santos, com o respectivo espólio, à Câmara Municipal de Ponta Delgada, que, por sua vez, deliberou ceder o espaço ao Governo Regional dos Açores, em 1977, para instalação do Núcleo de Arte Sacra do Museo Carlos Machado, tendo o projecto museológico, sido aprovado em 2004.
Ontem, fui visitá-la e fiquei esmagado, pela beleza impar do que se me ofereceu ver. Como foi possível um monumento de tanta importância, para o estudo e compreenção dao nosso passado, ter estado votado ao abandono tanto e tanto tempo. Saliento, porque verdadeiro, o esforço feito pelo Governo Regional, ao torná-lo, verdadeiramente, num espaço público. Uma visita a não perder!
O que se tem passado em Timor, desde a sua independência, tem sido de uma estranheza que me confrange. Para culminar, dá-se agora este atentado, obscuro e com contornos indecifráveis.
Talvez este vídeo ajude a compreender, algo do que se passou e está a passar.
Aqui fica.
Volto este sábado, depois de alguns dias de ausência, para vos deixar uma reflexão sobre o meu Alentejo, de autor desconhecido e que me chegou, por um amigo. Faço votos para que soltem as gargalhadas que eu soltei ao ler o texto que se segue. Quero-os, a todos, bem dispostos!
O ALENTEJO
Palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal e que à semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte mas foi no Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o berço da Nacionalidade, Évora é o berço do Império Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras um homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino depois de dobrar o Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia para D. João II perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar com o peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que para o homem comum fica muito longe, para um alentejano fica já ali. Para um alentejano não há longe, nem distância porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio onde não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que desiste quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso contrário, não teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade mas pela qualidade dos combatentes. É certo que o Rei de Castela contava com um poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporção numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana e intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas para que uma pessoa se ria de si própria não basta ser ridícula porque ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior honra do que ser objecto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as pessoas, enquanto a alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si próprios, nunca teriam sido as bestas que foram.
E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas, incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota preferida. Num dia em que chovia muito, o revisor do comboio entrou numa carruagem onde só havia um passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo molhado, em virtude de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó amigo, por que é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está estragada.», respondeu o alentejano. «Então por que é que não troca de lugar?» «Eu trocar, trocava... mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. O Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o pão alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção poderia um homem almejar?