Cidade do México, 25 Set (Lusa) - O medo de viajar de avião proporcionou aos escritores latino-americanos Julio Cortázar, Gabriel García Márquez e Carlos Fuentes viverem em 1968 uma "noite irrepetível" durante uma viagem de comboio que fizeram juntos na Europa central.
A revelação foi feita por García Márquez no prólogo a um livro recentemente publicado pelo Fundo de Cultura Económico (FCE).
Conta o autor de "Cem anos de solidão" que o trajecto Paris-Praga se converteu numa enorme prazer graças a Cortázar, que, a uma pergunta "casual" de Fuentes, respondeu com uma "cátedra deslumbrante" que durou várias horas.
"Viajávamos de comboio, desde Paris (até Praga), porque os três éramos solidários no nosso medo ao avião", recorda "Gabo".
Nessa viagem, que os fez atravessar a então dividida Alemanha, chegou um momento em que os três já tinham "falado de tudo". Foi então que Carlos Fuentes quis saber - e perguntou-o a Cortázar - "em que momento e por iniciativa de quem se tinha introduzido o piano na orquestra de jazz".
"A pergunta - assinala 'Gabo' - era casual e [Fuentes] não pretendia saber mais do que uma data e um nome, mas a resposta foi uma cátedra deslumbrante que se prolongou até ao amanhecer, entre enormes copos de cerveja e salsichas com papas geladas".
"Cortázar, que sabia medir muito bem as suas palavras - lembra o Nobel colombiano -, fez-nos uma resenha histórica e estética com um conhecimento de causa e uma simplicidade incríveis, que culminou às primeiras luzes do dia numa apologia homérica de Thelonius Monk" ((1917-1982), o célebre pianista e compositor de jazz norte-americano.
Cortázar - conta ainda o escritor - "falava, não apenas com uma profunda voz de órgão de 'erres' (R) arrastados, mas também com as suas mãos de ossos grandes, como não recordo outras mais expressivas".
O prólogo de García Márquez vem publicado na obra do mexicano Ignacio Solares intitulada "Imagen de Julio Cortázar", que reúne entrevistas, cartas e testemunhos de escritores e críticos sobre o autor de "Rayuela".
RMM.
Lusa/fim
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