A ano e meio das eleições, amontoam-se os tabús, as declarações, as estatisticas, as acusações, enfim, desencadeia-se a
luta pelo poder.Como gosto de reler os livros que sempre me acompanham, dei de caras com uma passagem do volume XII, do
DIÁRIO, de
Miguel Torga, que não resisto publicar.
Coimbra, 27 de Abril de 1977
- A sedução do poder! O deleite com que saboreiam muitos dos que ainda há pouco juravam abominá-lo! Sei que poucos escapam ao seu fascínio, e de que disfarces é capaz. No próprio acto criador se açoita. Mas referia-me ao poder concretamente exercido, a nível do mando. O comportamento destes estadistas de pronto a vestir! O que eles dizem e o que eles fazem1 *arecem metidos numa outra pele. Novos penteados, novas gravatas, novos gestos, nova gravidade. São agora mais pernéficos, mais solenes. Adquirem, sobretudo, uma versatilidade mental e moral inesperada. Como os oráculos, tudo o que lhes sai da boca tem dois sentidos. Falam sempre a cobrir a retirada. Às vezes apetece pôr-lhe um espelho diante dos olhos. Mas, talvez fosse inútil. Cegos de felicidade, como poderiam compreender que são uns pobres bonifrates, ao mesmo tempo de boa fé e de má consciência?