A desenfreada caminhada para o abismo, levou-me a procurar o Nuno Júdice e fazer "copy paste", deste texto e desta foto.
Uma cesta pequenina, cheia de Fernando Pessoa.
“Metam O burro na gaiola
de doiradas grades
e tratem-no a alpista
se quiserem
- é só um despropósito
Mas esperar dele o trinar
Do canário melodioso
É simplesmente tolo.”
Joaquim Namorado viveu entre 1914 e 1986. Nasceu em Alter do Chão, Alentejo, em 30 de Junho.
Licenciou-se em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra, dedicando-se ao ensino. Exerceu durante dezenas de anos o professorado no ensino particular, já que o ensino oficial, durante o fascismo, lhe esteve vedado.
Depois do 25 de Abril, ingressou no quadro de professores da secção de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Notabilizou-se como poeta neo-realista, tendo colaborado nas revistas Seara Nova, Sol Nascente, Vértice, etc. Obras poéticas: Aviso à Navegação (1941), Incomodidade (1945), A Poesia Necessária (1966). Ensaio: Uma Poética da Cultura (1994).)
Dizem que foi o Joaquim Namorado quem, para iludir a PIDE e a Censura, camuflou de “neo-realismo” o tão falado “realismo socialista” apregoado pelo Jdanov...
Entre muitas outras actividades relevantes , foi redactor e director da Revista de cultura e arte Vértice, onde ficou célebre o episódio da publicação de pensamentos do Karl Marx, mas assinados com o pseudónimo Carlos Marques. Um dia, apareceu na redacção um agente da PIDE a intimidar: “ó Senhor Doutor Joaquim Namorado, avise o Carlos Marques para ter cuidadinho, que nós já estamos de olho nele”...
No concelho da Figueira – considerava-se um figueirense de coração e de acção – chegou a ser membro da Assembleia Municipal, eleito pela APU.
Teve uma modesta residência na vertente sul da Serra da Boa Viagem. Essa casa, aliás, serviu de local para reuniões preparatórias da fundação do jornal Barca Nova.
Muito mais poderia ser dito para recordar Joaquim Namorado, um Cidadão que teve uma vida integra, de sacrifício e de luta, sempre dedicada á total defesa dos interesses do Povo.
Nos dias 28 e 29 de Janeiro de 1983, por iniciativa do jornal Barca Nova, a Figueira prestou-lhe uma significativa Homenagem, que constituiu um acontecimento nacional de relevante envergadura, onde participaram vultos eminentes da cultura e da democracia portuguesa.
Na sequência dessa homenagem, a Câmara Municipal da Figueira, durante anos, teve um prémio literário, que alcançou grande prestígio a nível nacional.
Santana Lopes, quando passou pela Figueira, como Presidente de Câmara, decidiu acabar com o “Prémio do Conto Joaquim Namorado”.
NOTA:
Aos eleitores de Lisboa, chamo a vossa especial atenção para o último parágrafo da nota biográfica do autor.
Nela está contida toda a vontade e acção que um dito candidato à autarquia lisboeta tem para com a CULTURA.
fotograma verdade, fotograma mentira
talvez eu tenha sido um dos deserdados
das vinhas da ira
talvez teu amante em Hiroshima
ou marinheiro do couraçado potenkine
quem sabe
ou apenas escravo inútil de deuses de plástico
de heróis de cartolina
ó gelsomina
ó gelsomina (buon giorno maestro!...)
por ti vou cavalgar a vertingem
dos 7 samurais
o sortilégio é possível
mesmo se há lôdo no cais
agora através da janela indiscreta
cai um denso nevoeiro sobre o aeroporto da Casablanca
cravei um cigarro ao Bogey
a Ingrid Bergman nem deu por mim, que pena...
(play it again, Sam)
olho à volta deste mágico terreiro de ilusões
apenas vejo a sede que existe
no olhar triste dos vilões
(não sei porquê... coisas da fita)
ah! la dolce vita
buon giorno maestro!...
mudança de filtro: noite americana
rebeldes em causa em fugas sem rumo
cavaleiros do asfalto em busca de um deus possível
um sax na noite
talvez seja o De Niro na luz breve
dum qualquer candeeiro
o olhar perdido
de toiro enraivecido
e a noite a desvendar
os helicópteros do apocalipse
as valquirias do medo
nesta sala escura, meu segredo
oh dama de Xangai deixa-me embarcar
no teu veleiro
no teu canto traiçoeiro
comédia de enganos, lanterna mágica, jogo
d'espelhos
eu quero percorrer esse tempo de luz e de sombra
imaginário mundo
com o coração a bater a 24 imagens por segundo
José Medeiros
Por M.Margarida Pereira-Müller
A.A. Nº 244/1967
"O portal da Internet sobre Glória de Sant'Anna começa com uma pergunta: "Já alguma vez arrancou uma planta útil da terra? Não o faça. Eu sei o que sente uma planta arrancada sem culpa do seu chão". (do Livro Amaranto). Que mulher é esta que sente com as plantas?
" Eu naveguei pelo interior de um longo rio humano
de tempos diversos onde também há sangue vegetal,
buscando o que acabei por encontrar - a imensa
angústia que se reparte.
Sobre isso escrevo.
Mas cuidado: a música da palavra é um casulo de
seda. Só dobando-o com olhos atentos se chega à
verdade - a solidão ansiosa e disponível.
No entanto, que cada um faça a sua leitura."
É este o texto que está na capa do "Amaranto" e depois repetido, por sugestão da editora moçambicana Ndjira, na capa do "Solamplo". Glória de Sant'Anna não se considera uma mulher "extremamente triste e melancólica", mas sim, atenta às angústias do mundo. O que não exclui momentos de alegria e felicidade.
Após o curso Complementar de Letras no colégio, para onde entrou com dez anos e onde colheu "conhecimento intelectual, disciplina, camaradagem e também sentido de honra", ou seja, como ela própria diz, "o prolongamento do que tinha em casa", fez "Pedagógicas e outros exames que me deram acesso ao ensino secundário" com o intuito de seguir a carreira docente. Glória sente-se professora por vocação. "Eu fui professora do secundário - letras - português - inglês e história, durante vários anos. O contacto diário com aqueles jovens, era um forte elo de conhecimento mútuo e de partilha".
Casou em 1949 e, dois anos depois, partiu para Moçambique, para em Nampula. Em 1953 mudou-se para Porto Amélia (hoje Pemba), onde permaneceu, frente à vasta baía, até 1972. Passou os dois últimos anos em Moçambique em Vila Pery (hoje Chimoio). Para muitos críticos literários, entre eles Carmen Lúcia Tindó Ribeiro Secco, este foi o seu primeiro exílio. Glória não vê esta partida porém como exílio. "Ir para Moçambique não foi um exílio no sentido de punição. Foi a busca de novos lugares para iniciar o lado profissional e de realização de ambos - de meu marido e meu".
Viver em Moçambique deu-lhe tudo o que a vida poderia oferecer: "seis filhos. E todos eles eram conscientes dos momentos que se atravessavam lá. A intensidade dos factos, as justiças e injustiças. A amizade plena", diz-nos Glória. Sentiu que tinha uma missão - "Nós éramos dos que estavam ali para viver, e transmitir o que sabíamos de útil".
Se bem que tenha começado a escrever logo em pequena, foi em Moçambique que publicou as suas primeira obras, a começar com "Distância" em 1951. E são as gentes e as paisagens moçambicanas que a inspiram. "A minha "musa inspiradora" ( e não sei porquê lembrei-me dos estudos da literatura dos clássicos ), eram as gentes em que eu estava inserida como povo. O mar...bem. O Atlântico é aquela base de sustentação das raízes lusitanas - navegações e força dos descobrimentos. O Índico, é aquela base de navigabilidade pelo sonho e pela descoberta. Pela certeza - e volto a repetir - de ser útil numa amplitude maior."
Senão vejamos:
"Negrinha faceira,
dentro da água cálida,
quem olhará
tua graça?
Ou quem verá teu riso
esparso
entre uma onda translúcida
e um sargaço?
(...)
Os teus pés estão sobre os búzios claros
e vazios,
e há música e sol
em teus ouvidos.
Mas quem passa, deixando pegadas na areia,
não olha para ti, negrinha faceira.
( Amaranto, 1988, p.62 )
Paralelamente à escrita e à docência, Glória de Sant'Anna colaborou com diversos jornais (Diário Popular, Guardian (Lourenço Marques), Itinerário (Lourenço Marques) Diário de Moçambique (Beira), Notícias (Lourenço Marques), Tribuna (Lourenço Marques), Sul (Brasil), Caliban (Lourenço Marques) e Colóquio Letras da Gulbenkian) e com a rádio durante muitos anos - "Esse era "o meu largo espaço" e outro meio de transmissão de conhecimentos por vezes com muito peso de carácter social".
Em 1961, e apesar de ser considerada uma escritora moçambicana, ganhou o Prémio para o "Livro de Água", o que lhe deu um certo contentamento - "Ser considerada o melhor poeta do ano, que era o que este prémio contemplava, é agradável. Mas não me deixou adormecer sobre os "louros da glória", passe o trocadilho. A intenção da atribuição desse prémio (ainda que o livro possa valer literariamente) era muito mais a de criar liames com as colónias, do que outra coisa."
1961 foi também o ano do início da guerra colonial. Uma guerra é sempre uma situação difícil, especialmente para as pessoas de grande sensibilidade - "As guerras só trazem mortos estropiados e mágoas". Escreve Carmen Secco: "Afirmando-se por um ethos existencial e humano, a poética de Glória, com imensa sensibilidade e delicadeza de sentimentos, também critica os preconceitos raciais presentes em Moçambique; só que o faz de forma suave, velada e subtil".
No poema Sexto do livro Cancioneiro Incompleto ( temas da guerra em Moçambique , 1961 - 1971), Glória condena a violência que destruiu os macondes, cujas esculturas celebra :
"(...)
( cada figura crescia de suas mãos negras
como se brotasse da sua própria fina pele
solta para a claridade e portadora
de igual agreste impulso
e em seu rosto
e em suas pupilas alagadas
era o mesmo secreto tempo de amar )
Hoje o pesado e oculto pau preto
jaz dentro da ausência
pleno de irreconhecíveis figuras
que perpassam iguais às da nossa memória(...)
(Amaranto, 1988, p. 97 )
À guerra colonial, seguiu-se a independência que, para Glória "foi a consequência que tinha que ser e com a qual aliás concordo. Só que os processos usados não foram certos". À independência segue-se o regresso à metrópole - esse, sim, um verdadeira exílio, "uma punição por ter voltado de lá e ter ficado simplesmente por razões de família que não tinham nada a ver com o tempo político que se atravessava. Aí, senti-me a tal planta útil arrancada do seu chão. Aquele chão onde ficaram enterradas as minhas placentas".
Glória tentou encontrar o rumo à sua vida. Durante quatro anos nada escreve. "Em Portugal, de Norte para Sul e do Sul para Norte, entre Ovar e o Algarve, tentando reencontrar o rumo que não havia (o mar, que é bom "porque é concreto", ficara para trás), Glória de Sant'Anna foi sobrevivendo ao rés de um desespero nem sempre inteiramente dominado" - é assim que Eugénio Lisboa descreve esse período da vida de Glória.
Mas com a fixação da residência perto de Ovar (perto do mar...), Glória parece reencontrar a paz de espírito e, com ela, volta a vontade de escrever. A escrita faz parte do seu dia a dia. Mesmo actualmente, como aposentada, e repartindo o tempo pela casa e pela família, continua a escrever. É que "escrever é como respirar".
Caixa
A obra publicada de Glória de Sant'Anna
· Distância (1951)
· Música Ausente (1954)
· Livro de Água (1961)
· Poemas do Tempo Agreste (1964)
· Um Denso Azul Silêncio (1965)
· Desde que o Mundo (1972)
· Do Tempo Inútil (1975)
· Amaranto (1988) (que inclui 4 livros inéditos: A Escuna Angra (1966-68); Cancioneiro Incompleto (temas de guerra em Moçambique, 1961-71); Gritoacanto (1970-74 e cantares de Interpretação (1968-73)
· Não Eram Aves Marinhas (1988)
· Zum-Zum (1996)
· Solamplo (2000)
· O pelicano velho (2003)
· Ao Ritmo da Memória (2003)
Algumas referências à obra de Glória de Sant'Anna:
1. Lisboa, Eugénio; Glória de Sant'Anna: How purity can also be commitment, Santa Barbara Portuguese Studies, 1994; 4: 207-219.
2. Vieira, Vergílio Alberto; Glória de Sant'Ana, Letras & Letras (Porto), 1990 Dec. 5; 4 (36): 9.
3. Ferreira, Manuel; ... Porque Infinita E a Bondade Divina!, Jornal de Letras, Artes & Ideias (Lisbon), 1990 July 24-30; 10 (420): 13.
4. Lisboa, Eugénio; Glória de Sant'Anna: O Silêncio Intimo das Coisas, Prelo: Rev. da Imprensa Nacional (Lisbon), 1984 Oct.-Dec.; 5: 93-100.
Há também estudos feitos à obra de Glória de Sant'Anna por :
João Gaspar Simões (Lisboa)
Fernanda e Matteo Angius (França)
Fernando Ferreira de Luanda (Brasil)
Maria Lúcia Lepecki (Universidade de Lisboa)
Michel Laban (Universidade Sorbonne)
Revista Brotéria (Lisboa)
José Lois Garcia (Barcelona)
Marie Claire Vremont (Bruxelas)
Almerindo Lobo (Moçambique)
René Pélissier (França)".
Ha
AINDA E SEMPRE, JOSÉ AFONSO!
Resolvi inserir este vídeo, nesta rúbrica, por uma simples razão: "Se isto não é poesia, o que é poesia?
José Régio
Cântico Negro
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
Não podia ser outro, por isso, para comemorar Maio a poesia de José Afonso, cantada e tocada pelos Madredeus.
Hoje temos poesia dos AÇORES!
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