Da década de quarenta do Séc. passado.
Hoje, infelismente, actual!!!
De Francisco Ralete, natural de Alegrete temos as seguintes Décimas
MOTE
Diz a mulher ao marido
não sei o que hei-de fazer
tu fartas-te de trabalhar
e não ganhas para comer
I
Anda ver estas crianças
que mandei deitar sem ceia
às escuras sem candeia
como se fosse por vingança
no almoço não há esperança
onde elas têm o sentido
o meu corpo esta esvaído
quase não posso andar
lastimando-se quase a chorar
diz a mulher ao marido
II
Levantam-se a gritar
que até corta o coração
coitadas querem o pão
e eu não tenho para lho dar
não tenho almoço nem jantar
não tenho nada de comer
só Deus me pode valer
e deito-ma apoquentada
Não tenho azeite não tenho nada
não sei o que hei-de fazer
III
Para que matas o corpo
para que vives sem alegria
trabalhas de noite e de dia
e daqui amanhã estás morto
o teu patrão arranja outro
para ir para o teu lugar
cá estou eu para me ralar
sem ter a que deitar mão
fico sem linhas e sem sabão
e tu fartas-te de trabalhar
IV
Não temos tição nem brasa
aqui morremos ao frio
aí vem o senhorio
pedir a renda de casa
ralhando porque se atrasa
eu disso não quero saber
venho para o receber
quer vocês o tenham ou não
vai e diz ao teu patrão
que não ganhas para comer
A POESIA DE ANTÓNIO ALEIXO
Porque o Povo Diz Verdades
Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.
Vem perto o fim do capricho
Dessa nobreza postiça,
Irmã gémea da preguiça,
Mais asquerosa que o lixo.
Já o escravo se convence
A lutar por sua prol
Já sabe que lhe pertence
No mundo um lugar ao sol.
Do céu não se quer lembrar,
Já não se deixa roubar,
Por medo ao tal satanás,
Já não adora bonecos
Que, se os fazem em canecos,
Nem dão estrume capaz.
Mostra-lhe o saber moderno
Que levou a vida inteira
Preso àquela ratoeira
Que há entre o céu e o inferno.
António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."
Mais uma vez a poesia popular alentejana.
Dando sequência ao meu regresso, volto com poesia popular e, nada melhor que rumar ao Alentejo para, com a ajuda dos alunos da Escola Básica Nº1 de Cano, a quem desde já agradeço, apresentar a poesia de, Aurélio Cardoso Buínho.
Espero que gostem!!!
AURÉLIO CARDOSO BUÍNHO
Embora natural de S. Bento do Cortiço (Estremoz), considera-se um canense de alma e coração e, por isso, ele nos diz numa das suas poesias: «Se algum dia fores ao Cano / À tua frente verás / A minha bandeira içada».
Nasceu em 13 de Junho de 1936, passando desde muito novo a viver no Cano, onde presentemente vive.
Duma forma geral, tem feito todos os trabalhos inerentes à agricultura mas tem-se dedicado mais à pastorícia.
Talvez esta sua ocupação tenha contribuído de forma decisiva para o bucolismo de que estão eivadas algumas das suas poesias. Conta no seu «curriculum» com:
- Um 1º Prémio numa sessão de poesia popular junto ao Padrão da Batalha do Ameixial;
- Um 1º Prémio numa sessão de poesia popular em Santa Vitória.
APRENDE A LER, NÃO DESISTAS
MOTE
APRENDE A LER, NÃO DESISTAS
EMPENHA-TE BEM A FUNDO
FICARAS COM OUTRAS VISTAS
SOBRE A VIDA E SOBRE O MUNDO
I
Saber ler, por que eu entendo
Faz parte da nossa lida
É um pedaço da vida
Que a gente está vivendo
Só tu estás adormecendo
É preciso que resistas
É o saber que tu conquistas
Com a tua habilidade
Mesmo na maioridade
APRENDE A LER, NÃO DESISTAS.
II
Talvez não queiras dar «créto» (1)
E p'ra ti seja indiferente
Mas é menos inteligente
Um homem analfabeto
Por isso aqui te alerto
Sai desse sono profundo
Sai do estado «moribundo»
Toma uma decisão
Aproveita a ocasião
EMPENHA-TE BEM A FUNDO.
III
Já começaste a estudar
Já estás a ser pontuai
Já vais indo menos mal
É preciso continuar
Só assim podes lançar
Teu nome nas grandes listas
Nos jornais e nas revistas
No futuro e no presente
Abre o livro à tua frente
FICARAS COM OUTRAS VISTAS.
IV
Agora já sabes ler
Os sacrifícios foram teus
Dá então graças a Deus
Cumpriste o teu dever
Continua e hás-de ser
Pessoa de grande estudo
De qualquer parte oriundo
E com boas intenções
Homem de largas visões
SOBRE A VIDA E SOBRE O MUNDO.
ANOTAÇÕES:
(1) Créto -- crédito.
Mais um poeta popular, Manuel Ruga de seu nome, Grândola a sua naturalidade
Apesar das negas que a Primavera nos tem feito, ouçam com atenção estas "décimas".
Neste mini período de férias, nada melhor que vos trazer, para fazer companhia, o António Aleixo
Estátua da autoria de Mestre Lagoa Henriques
Na esplanada do Café Calçinha, em Loulé, local onde o poeta passava, grande parte dos seus dias.
Deixam-me sempre confuso
as tuas horas boas,
por não te ver fazer uso
dessa moral que apregoas
P`ra te tornares distinto
e mostrar capacidade,
dizes sempre que te minto,
quando te digo a verdade
Não és, mas queres parecer
um santinho no altar;
mostras ao mundo , sem querer,
o que pretendes tapar.
Foges de mim, sei porquê;
quer`s ser grande, não estranho:
receias que quem nos vê
te julgue do meu tamanho
São parvos , não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
as vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós.
MOTE
Façam por não Verem Mais
Vós, ó mães idolatradas,
Façam por não verem mais
Crianças abandonadas,
Tísicas — nos hospitais.
GLOSAS
Sim, vós, ó mães carinhosas,
Criai as vossas filhinhas,
Educai-as de criancinhas,
Mas não em leis religiosas,
Que essas leis são perigosas,
E p'los homens inventadas.
Não sigam, pois, enganadas
Pelos padres sem consciência,
E amem o deus-Providência,
Vós, ó mães idolatradas!...
Se quereis ver a religião,
Já noutro tempo atrasado,
Leiam um livro chamado
«Mistérios da Inquisição»...
Lendo aí, compreenderão
Como as pessoas reais
Mandaram fuzilar pais
E mães sem fazerem mal.
Padres e gente real,
Façam por não verem mais.
E quando se saiba amar
Como irmãos, em toda a terra,
Bombas, revoluções e guerra
Para sempre hão-de acabar;
Nem mais se hão-de encontrar
Mulheres «matriculadas» —
Infelizes que, desonradas,
Ali procuram a morte,
Deixando, aos vaivéns da sorte,
Crianças abandonadas.
Hão-de acabar os ladrões,
Os patifes, os mariolas —
Quando se fizerem escolas
Das igrejas e prisões.
Hão-de acabar os patrões,
Que são prejudiciais —
Comprando bons enxovais
P'ràs suas filhas — enquanto
As dos pobres vertem pranto,
Tísicas — nos hospitais.
António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."
Volto à poesia popular e ao Alentejo, desta vez pela palavra de Domingos José Pinto e pelas Décimas, que apresentou ao Primeiro Prémio de Poesia Popular de Terrugem, numa orrganização do, Centro Cultural de Terrugem.
MOTE
Ando a espreitar uma topeira
Lá dentro do meu quintal
Da caçar não há maneira
Esse maldito anima
I
Passo a noite passo o dia
Até parece impossível
Aquele animal terrível
Com chuva ou com maresia
Lá anda na galeria
Óu ela ó a companheira
É daninha e traiçoeira
Lá no meio da escuridão
Com a feramenta na mão
Ando a espreitar uma topeira
II
Quando ela as unhas aferra
Lá vou eu com a enxada
Logo pela madrugada
Alisar aquela terra
É um viver sempre em guerra
Tomara dar-lhe o final
Não há bicho que a igual
Cava por todos os lados
Vou tendo os alhos chupados
Lá dentro do meu quintal
III
Fura por todas as partes
É pior do que uma broca
A ver se encontra a minhoca
Lá na eira dos tomates
Sempre me foge aos encartes
P’ra debaixo de uma roseira
Passeia uma manhã inteira
Espreitando esses traidores
Já abrasado em calores
De caçar não há maneira
IV
Tinha lá uns pimentões
Que até dava gosto vê-los
Têm me arripiado os grelos
de lhe dar tantos pochões
Já me engelhou os feijões
P’ra mexer não tem rival
Tão pequena e só faz mal
Já brinca com o hortelão
P’ra furar é um furão
Este maldito animal
REMATE
Tém um pelo luzidio
Olheia com atenção
Palpeia com a mão
Não vi pelo mais macio
Senti logo um arripio
Lá à porta da morada
Meti-lhe logo a enxada
Quando estava descoberta
Ficou com as pernas aberta
E a boca ensanguentada.
Domingos José Pinto nasceu a 26 de Janeiro de 1925, na freguesia da Mina do Bugalho, no concelho de Alandroal. Foi padeiro, juntou gado, partiu lenha, ceifou e acarretou água. Também foi paquete, "na altura chamava-se um tardão mas eu não tardava muito a levar os mantimentos, era despachado e num instante levava o almoço aos ganhões". Aos nove anos já fazia décimas. Agricultor desde os quinze anos, aos dezasseis tratava das bestas e já ensinava a lida do campo aos homens mais velhos. Foi cabouqueiro de mármores durante vinte e um anos. Aprendia tudo o que podia com os ganhões. O pai recebeu uma carta que só terá sido lida ao fim de um ano, altura em que Domingos Pinto pediu a um rapaz que o ensinasse a ler. A partir desta data começou a ler as cartas que as ceifeiras recebiam. Nesta altura trabalhava na herdade da Granja do Bagulho e começava a escrever as suas décimas nas lajes. Aos cinquenta e nove anos fez a quarta classe. "Sempre dei mais valor ao que os outros escrevem - e gostava de ir desencabecinando os amigos para esta arte do falar versado".
in "mota_34.blogs.sapo.pt"
POESIA POPULAR
do Livro "Cosme de Campos Callado - O Homem e a Obra - 1948-2008", com edição da Fundação Abreu Callado, em Dezembro de 2008. Na página 36 e sob a responsabilidade de Fernando Máximo, escreve-se:
" ...Jaime Velez, por alcunha "O Manta Branca", nascido em Benavila a 30 de Julho de 1894. Jaime Velez foi ganhão e era analfabeto. No entanto, tinha uma veia poética e repentista que lhe permitia em qualquer situação responder a um desafio, versejando sempre...... São diversos os episódios conhecidos que fazem parte da sua longa história de vida. Um dos mais repetidos e que merece ser mencionado, prende-se com o facto de em certa ocasião, na casa do seu patrão se ter feito uma grande festa e estando inclusivamente entre os convidados um ministro. Jaime foi instado a que dissesse uns versos para animar a festa. Resistiu quanto pôde, mas achando ali mais uma oportunidade de poder defender os trabalhadores e zurzir no poder instalado, acabou por aceder depois do patrão lhe ter assegurado que nenhum mal lhe adviria. E disse então a seguinte quadra:
Não vejo senão canalha
De banquete para banquete,
Quem produz e quem trabalha
Come açordas sem "azête"
Depois, de modo repentista, vieram os restantes versos que compunham as décimas:
Ainda o que mais me admira
E penso vezes a miúdo:
Dizem que o sol nasce para tudo
Mas eu digo que é mentira.
Se o pobrezinho conspira
O burguês com ele ralha,
Até diz que o põe à calha
Nem à porta o pode ver.
A não trabalhar e só comer
Não vejo senão canalha!
Quem passa a vida arrastado
Por se ver alegre um dia
Logo diz a burguesia
Que é muito mal governado,
Que é um grande relaxado,
Que anda só no bote e "dête".
Antes que o pobrezinho "respête"
Tratam-no sempre ao desdém
E vê-se andar, quem muito tem,
De banquete para banquete.
É um viver tão diferente
Só o rico tem valor.
E o pobre trabalhador
Vai morrendo lentamente.
A fraqueza o põe doente
E a miséria o atrapalha;
Leva no peito a medalha
Que ganhou à chuva e ao vento
E morre à falta de alimento
Quem produz e quem trabalha
Feliz de quem é patrão
E pobre de quem é criado
Que até dão por mal empregado
O poucochinho que lhe dão.
Quem semeia e colhe o pão
Não tem aonde se "dête",
Só tem quem o "assujête"
Para que toda a vida chore,
E em paga do seu suor
Come açordas sem "azête" "
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. NO SÁBADO, "CESTAS DE POE...